Apelo à simplicidade
Logo que começou a quarentena, busquei conversar com a minha filha de quatro aninhos sobre o que estava acontecendo e os motivo de não sairmos de casa, o que incluiria ela não ir à escola, a mamãe e o papai não iriam para o trabalho, mas iriam trabalhar em casa. Mas que logo tudo iria passar as coisas voltariam ao seu curso normal. Normal? Sei, você vai se perguntar, assim como eu, se será possível e, se tínhamos uma vida normal. Bem essa seria uma outra reflexão e uma outra crônica. Talvez você, caro leitor, após essa provocação, escreva sobre esses questionamentos. Foi uma conversa com o intuito de prepará-la para o que estávamos vivendo e as mudanças que adotaríamos para a nossa vida.
O fato é que tivemos essa conversa, mas ela seguiu sempre reclamando, queria ir comprar o pão à tardinha, queria ir ao restaurante no domingo, queria ver os amiguinhos da escola. Um dia ela disse que tava muito chato sozinha. Mas eis que vendo TV, num episódio do canal "Maria Clara e JP" sobre o coronaviros ela clareou as informações e passou a nos dizer que não poderia sair de casa porque "tem muitos colonaviros por aí e é perigoso". A linguagem simples usada pelos personagens, aliada à criatividade das crianças, a fez entender a situação. Foi uma ajuda e tanto.
Agora, já passados quase dois meses nessa situação de isolamento, quando nós adultos já parecemos meio que desnorteados, ela vem pra mim, com toda a vitalidade e inocência de criança, ou, com a inteligência e perspicácia infantil e me diz: "Mãe, tive uma ideia pra gente acabar com esses colonaviros". Eu, é claro, como faço sempre, valorizei aquele gesto e pedi que me contasse sobre a ideia. Ela, empolgada que estava, parecendo uma projetista ou pesquisadora quando tem um insite e descobre como resolver um determinado problema, foi debulhando a sua ideia. Fiquei pasma com tamanha capacidade.
Disse-me ela que descobrira como acabar com o "colonaviros". Segundo a ideia da pequena pensadora, a solução seria convocar a polícia e os bombeiros para matar todos os vírus e acabar com as doenças. Assim a gente poderia voltar a passear, visitar a vovó e o vovô, comprar os brinquedos que ela anda pedindo. Quis saber se aquela ideia tinha "sustança", perguntei-lhe como seria o plano de ação. Ah, ela o apresentou com todos os detalhes. Primeiro a mamãe ligaria para a polícia, pediria que saísse às ruas nos carros, matando os "colonaviros" e defendendo as pessoas. Depois chamaria os bombeiros, que iriam naquele carro grande, com mangueira e água, limpando as ruas. Pronto, tudo se resolveria. Não iria mais ter doenças, as pessoas iam ficar felizes, iam voltar a passear.
Fiquei impressionada com a aquela exposição tão rica em detalhes. Voltei-me para a nossa vida de adultos, voltei-me especialmente para a minha prática como educadora. Pensei em como muitas vezes a gente complica, o sistema educacional complica, as coisas ficam como que travadas, as ideias não fluem, estudantes e professores presos a modelos pré-estabelecidos não criam, não conseguem protagonizar ações que possam recriar a vida, mesmo que de forma simples, como a ideia de Ana Sofia.
Estou acompanhando professores entrando em parafusos, procurando ideias mirabolantes para ministrar aulas online, quando se pode fazer mais e melhor de maneira simples. Esse é um momento de apelo à simplicidade, não à complexidade. Um chat online, uma roda de conversa via Google Meet (já que está gratuito), orientar pesquisas, propor projetos para a construção de uma vida melhor no pós-pandemia. O uso das ferramentas tecnológicas como aliadas, mas não são o fim nesse processo de ensino remoto. Divida com os seus alunos a construção de projetos para serem executados agora e no retorno às aulas presenciais. Mas acima de tudo, seja presente, seja empático. Aproveite esse momento em que todos estamos aprendendo, vamos simplificar o processo de ensino-aprendizagem.
Na sua inocência e simplicidade, Sofia me deu uma grande lição. Projetar ideias e distribuir as ações, delegar funções, acreditar no potencial do outro, essas foram algumas das muitas conclusões a que cheguei, analisando a proposta da minha pensadora mirim. Vamos pensar em significar mais as nossas aulas, dando espaço para que os alunos possam se expressar, criar, recriar. E você, caro(a) professor(a), possa viver. Você precisa viver, muitos hoje estão descobrindo o quanto você é importante. Permita-se um trabalho que não te sufoque, que não te maltrate. Ouse, crie, mas na medida do possível. Este não é um momento para ideias extravagantes. Este é um momento para valorizar e proteger a vida, a sua vida, a vida da sua família, dos seus alunos. Aprenda a fazer a diferença, mesmo na simplicidade.