Pelo amor e pela dor
Cresci ouvindo algumas afirmações muitas vezes assentadas em posições extremadas ou polarizadas. Se acertamos sempre, somos tidos por santos. Mas se cometemos erros... Essas polarizações se acentuam quando se trata de religião, política, futebol, raça, gênero. Na escola, tende-se a estereotipar os alunos como "excelentes" e os " que não querem nada. Parece-me que estamos sempre querendo separar o joio do trigo. Parece-me, ainda, que não vemos a possibilidade de os dois crescerem juntos.
Nessa linha de pensamento polarizado, há um bastante usado na educação: aprende-se pela dor ou pelo amor". Mas será? Não haveria o meio termo, a possibilidade de junção das duas coisas? Não, não pense que venho aqui desfazer nenhum conhecimento, mesmo que tenha sido construído pela observação das ações humanas e ganhado reforço da ciência. O que quero, caro leitor, é convidá-lo a refletir, questionar. Todo conhecimento pode ser refletido, aperfeiçoado. Afinal, evoluímos e as teorias sempre acompanham os processos evolutivos da sociedade.
Olhando para o atual momento em que nós professores e professoras tivemos que nos reinventar, aprender novas formas de ensinar, aprender a usar diferentes recursos tecnológicos, será que o fizemos apenas pelo amor ou pela dor? Não pode ser claramente perceptível a existências das duas situações nesse processo? Existe sim a dor, muita dor nessa metamorfose pela qual estamos passando. Ah, mas há também muito amor envolvido. Se por um lado existe a dor do medo de perder o emprego, num país em que o número de desempregados é sempre crescente, num país em que a uberização e a terceirização dos serviços é uma realidade que só tem crescido, por outro lado existe o amor. Eu luto para manter-me no meu trabalho porque tenho uma família a quem amo e quem devo manter. Eu enfrento todo o processo doloroso de me reinventar porque amo a minha profissão, amo a minha escola, amo os meus alunos e por eles me desdobro buscando formas de fazer com que os conhecimentos continuem chegando até eles/elas.
Nos últimos dias tenho aprendido a fazer coisas que nunca me imaginei fazendo. E, sabe que até acho que estou “levando jeito pra coisa”, como se diz por aí. Estou me tornando uma exímia desenhista. Não, não ria, caro leitor, não se trata de estar sendo esnobe, só reconhecendo os esforços que tenho empreendido. Imagine você que agora o passatempo predileto de minha filha é pintar princesas, príncipes, personagens dos seus programas favoritos desenhados pela mamãe, é claro.
É evidente que há nessa busca dela por pedir meus desenhos o desejo de que eu participe com ela dos momentos de lazer, que eu dedique um pouco mais de tempo para ela. É compreensivo. O problema é que eu nunca desenhei. A única coisa que eu ainda arriscava fazer era uma casa ou uma árvore. Mas minha filha me incumbiu de desenhar pessoas, lugares, animais. A coisa foi ficando difícil e me vi tendo que aprender pela obrigação de ajudar minha filha a superar as agruras desse momento. Mas analisando mais afundo, tem sido uma aprendizagem também pelo amor. Enfrentei o desafio pelo amor a ela, para vê-la bem, para interagir com ela. Posso dizer que está sendo a soma dois: a dor, porque em determinados momentos eu estava às voltas com uma pilha de coisas para dar conta e por cima percebia a angústia de minha filha por me ver em casa sem poder dar-lhe atenção. Isso doía e dói profundamente. Mas foi também pelo amor, por querer estar ao lado deela nesse momento, por querer passar confiança, presença que acolhe e que a ajuda a superar a falta dos coleguinhas, da professora, da vovó e do vovô e assim por diante.
Cheguei à compreensão que realmente passamos pelas duas situações nos nossos processos evolutivos, mas que não se faz necessário ser uma ou outra. O ideal seria que fosse sempre pelo amor, mas “nem tudo é sobre amor” diz o título do livro do meu amigo Rutizat. Assim, podemos dizer que as duas situações coexistem e podemos substituir “ou”, seja como alternância ou como exclusão, pelo “e” de soma, de complementar. Vamos pensar sobre a questão?