Esta semana fui convidada, pelo gestor da escola onde trabalhei até o ano passado, para participar da última reunião do ano daquele educandário. A minha participação, logo no início do evento, que se deu de forma online, faz parte de um quadro que a escola desenvolveu no segundo semestre de 2021 intitulado “Matando a saudade”.
Foi uma experiência profunda e emocionante. Reencontrei, mesmo que virtualmente, colegas com os quais compartilhei de vários momentos significativos da minha vida como docente daquela instituição. Achei muito interessante a proposta da atividade. Uma busca por resgatar os laços que nos unem, os momentos que nos edificam, os passos dados, mesmo que no momento da caminhada, durante o percurso, não tenhamos percebido. Foi edificante.
Creio que num período em que perdemos tantas pessoas amigas, familiares, poder olhar para trás e ver o caminho percorrido, ver as mãos com as quais pudemos contar, saber que aquelas pessoas continuam por aqui, que os laços e as parcerias seguem, é restaurador.
Mas eis que passado aquele momento mágico do reencontro me pego aqui a refletir sobre o título dado ao quadro: “Matando a saudade”. Já tenho tratado, em outras crônicas, dessa minha mania de volta e meia ficar a olhar as palavras, a conversar com elas. Não que eu faça isso por impulso próprio. Parece que elas me flertam e me provocam a esse diálogo. Me instigam a essa atividade exploratória. Então, num momento em que saudade tem sido um vocábulo não apenas falado, mas acima de tudo vivido, fiquei a martelar sobre a junção do verbo “matar” ao termo saudade.
Não sei se para você, caro leitor, cara leitora, mas para mim matar é uma palavra que remete, logo de início, ao sentido mais negativo do verbo. Eliminar, excluir, arrancar, mais ou menos por aí. Sim, é verdade que de vez em quando precisamos matar algo dentro de nós, arrancar algo que não nos faz bem, matar certos vícios, antes que eles nos matem. Mas mesmo nesses casos, matar ainda soa, inicialmente, numa ação que provoca dor. Arrancar alguém da sua vida, por exemplo, quando um relacionamento não mais tem condições de seguir em frente, é libertador, mas não deixa de nos causar dor. Eliminar as massas da dieta, não é algo fácil de ser adotado, mesmo sendo necessário e salvífico. Então, minhas ponderações em torno do verbo matar, mesmo quando é uma ação necessária, diz respeito a arrancar, eliminar, ações que possuem, até certo ponto, uma carga negativa.
Já a saudade... Ah, saudade, como eu já disse nuns versos que escrevi recentemente, “A saudade é o rastro do amor/que no meu coração/alguém desenhou”. E sendo rastro de amor, a gente não vai querer arrancar, não é mesmo. A saudade é, ao meu limitado entender, a marca do amor. É o amor tatuado dentro da gente, no mais profundo no nosso ser. E uma marca assim a gente não pensa em apagar. Só há saudade porque existiu amor, companheirismo, presença. Sentimentos que a gente guarda num cantinho especial e de vez em quando entra lá no cômodo onde estão guardados para sentir a presença dos nossos entes ou amigos que estão distantes. Mesmo que a gente chore, é um choro de amor.
É claro que sentir saudade dói. Sim, dói, especialmente quando a saudade é de alguém que se foi e não mais voltará. Mas é pela saudade que trazemos essa pessoa para pertinho da gente. É a saudade que nos mantém conectados, que nos faz ir ao encontro de quem é importante para nós. Logo, a palavra saudade me remete a boas lembranças. E eu não penso e não quero matá-la, sabe? Eu quero mesmo é manter esse sentimento aqui, esses registros que me trazem alento nas horas difíceis. Como se diz nas celebrações dos Finados: “saudade sim, tristeza não”.
Sei também que a palavra saudade é, muitas vezes, vista sob a ótica da tristeza, da solidão, da dor. Ultimamente tenho escutado com muita frequência minha filhinha dizer, com os olhinhos cheios de lágrimas, que está com saudades da vovó e do vovô. E mesmo essa saudade dolorida só é possível porque existiu afeto que marcou profundamente e a gente não quer renunciar àquilo que nos faz bem. Acho que a saudade nos humaniza, nos ajuda a compreender a vida, como diz o poeta Quintana: “É preciso a saudade para eu sentir/como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…” E mesmo esse sentimento dolorido da saudade que remete à tristeza, à solidão, é um sinal de que não estamos sozinhos, há alguém, mesmo que num outro plano, a quem amamos e que nos amou que se faz presente na nossa memória. “Saudade é solidão acompanhada”, já dizia Neruda.
Então, quando a saudade bater à porta ou à sua aorta, chame-a para um café, converse com ela, chore, se for preciso, sorria recordando os momentos felizes, cante uma música, escreva um poema ou uma boa prosa. Viva em paz com a sua saudade. Não é preciso matá-la, apenas não permita que a saudade se torne um mar e que suas águas te afoguem. E quando a saudade é de quem ainda está por aqui, tão logo possa, encontre um jeito de ir ao encontro dessa pessoa, se no momento não é possível fisicamente, que seja virtualmente.
Retornando ao momento do “Matando a saudade” eu diria que não matou, apenas deu uma leve aliviada, como quando se está com muita sede, mas não se pode tomar toda a água que deseja de uma só vez, mas vai se tomando aos poucos e mantendo o corpo hidratado.