Hoje pela manhã, ao preparar um stories de bom dia para o meu Instagram, gosto de me aventurar nesses novos jeitos de comunicação trazidos pelas mídias digitais, fui bombardeada por um turbilhão de memórias das minhas vivências juninas.
Ao digitar a data, 23 de junho (noite de São João, como nós nordestinos chamamos, ou simplesmente noite de fogueira), as imagens das histórias vividas na infância surgiam de forma vívidas. Talvez porque por esses dias, auxiliando minha filha em uma tarefa escolar, viajei com ela pelas memórias familiares, contei-lhe algumas histórias da minha infância. Dentre as histórias contadas uma era sobre as tradições da nossa família relacionadas ao período das festividades juninas.
Quem aqui, especialmente nordestinos com raízes sertanejas, não tem seu baú das memórias do São João? São muitas e significativas lembranças, não é mesmo? Nesta crônica, vou compartilhar com você, amigo(a) leitor(a), uma tradição, ou melhor, um ritual, que era sagrado em nossa casa, na véspera de São João. É provável que eu chova nesse texto, é que os responsáveis pelo ritual joanino já não estão por aqui, talvez seja esse também um dos motivos desse bombardeio, o coração querendo voltar ao começo.
Minhas memórias me levaram até um pedacinho de terra, onde sob o céu estrelado do sertão, a vida simples encontrava sua essência no contato com a natureza, nas celebrações familiares e assim por diante. Filha de agricultores humildes, que cultivavam a chama da esperança de dias melhores, associados a um ano “bom de inverno”, ou seja, de chuvas favoráveis entre os meses de janeiro e junho, nossa rotina era enriquecida por dois rituais sagrados durante o São João, festa que aquecia nossos corações em meio ao friozinho que nessa época costuma fazer na zona rural.
No dia 23, véspera de São João, a atmosfera se enchia de preparativos e expectativas. O papai, com sua maestria e seriedade, cuidava de chamar meus irmãos mais velhos para a atividade de recolher, na mata, a madeira que garantia a matéria-prima para nossa fogueira. Nossa mãe assumia o comando das panelas, sempre cantarolando ia dando seu toque especial, produzindo comidas típicas como canjica e pamonha. Entre uma mexida de panela e outra, Dona Rita também cuidava de preparar as roupas dos rapazes da casa, que, apaixonados pela música e pela dança, eram ávidos forrozeiros em busca de diversão e de arrumar algumas paqueras.
Às 18 horas, chegava o momento do primeiro ritual, o acendimento da fogueira. Todos os anos, a mamãe escolhia um dos filhos, entre os mais novos, para acompanhar esse momento especial. Era fascinante, pois, mesmo com a chuva que às vezes nos visitava, as chamas sempre ganhavam vida, criando um espetáculo de luzes e calor no coração da noite. Chego a escutar os estalos da madeira, as faíscas que subiam, trazendo mais brilho ao momento.
Nosso pai, mestre na arte de construir fogueiras, sabia como dispor cada pedaço de pau de forma a permitir uma queima gradual e duradoura, sem que a estrutura desmoronasse. E no solo, onde seria erguida a fogueira, ele cavava um pequeno buraco e depositava algumas pedrinhas de sal. Era um ensinamento passado por meu avô, um presságio para avaliar como seria a estação chuvosa do próximo ano.
A noite nos unia em torno da fogueira, onde assávamos milho e batata, brincávamos de adivinhações e compartilhávamos histórias e risadas. Era um momento mágico, em que o fogo parecia alimentar nossas almas e unir nossos laços familiares. E havia uma regra: não dormir enquanto a fogueira ainda ardesse, pois aquela chama sagrada, não podia ser abandonada.
No amanhecer do dia 24, antes mesmo que o sol despontasse no horizonte, realizávamos outro ritual: o banho nas águas abençoadas por São João. Era Dona Rita quem conduzia esse momento especial. Com sua sabedoria, guiava-nos até o açude, onde mergulhávamos em suas águas frescas e purificadoras. Sentíamos como se, naquele instante, estivéssemos renovados e abençoados pelo santo protetor.
Minha infância foi forjada por essas tradições, por esses laços e ritos familiares entrelaçados com as raízes culturais do sertão. Os rituais do São João se tornaram a essência do nosso ser, transmitidos de geração em geração, enchendo nossos corações de amor, união e esperança. E, mesmo que o tempo tenha seguido seu curso, essas memórias permanecem vivas em mim, como uma chama acesa a mostrar a importância desses momentos familiares que se eternizam. O tempo passa, as pessoas se mudam, inclusive deste plano para o superior, mas o que se vivencia na infância, no seio da nossa família, nos acompanhará para a vida toda. Como foi bom dividir essas histórias com minha filha, ela parecia viajar e entrar nos cenários, vivenciar. Espero ter levado você também até as suas memórias mais lindas desse período junino.