Zenilda Ribeiro
Escrever é um ato libertador e uma forma de me reinventar.
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A nova estrada

A estrada, outrora cheia de buracos e ladeiras, ganhou novas camadas de asfalto liso que serpenteia pelo campo. Ainda persistem alguns buracos, mas em quantidade bem menor. Cada curva, cada reta, cada centímetro desse caminho parecia carregado de memórias e significados. A viagem para a terra natal, antes uma aventura pontuada pela expectativa e pelo som das risadas e conversas no carro, agora era mais silenciosa, mais retraída. O ruído constante dos pneus no asfalto, no céu uma lua linda, solitária, prateada e silenciosa, parecia querer me fazer companhia, criando um contraponto melancólico ao som das memórias que ecoavam na minha mente.

 

Antigamente, a poeira vermelha levantada pelos carros, os muitos solavancos devido aos buracos era uma espécie de promessa. Um sinal de que o reencontro estava próximo, de que logo avistaria as águas do açude e um pouco mais adiante veria os rostos conhecidos e ouviria as vozes amorosas dos meus pais e dos meus irmãos que sempre me esperavam com um abraço apertado e um sorriso acolhedor. Havia uma alegria ansiosa no ar, uma energia palpável que se renovava a cada quilômetro percorrido.

 

Mas agora, a viagem era diferente. O asfalto, embora mais confortável e seguro, parecia ter roubado um pouco da magia do trajeto. A expectativa do reencontro dava lugar a um vazio, um estranhamento, uma falta que pesava mais a cada curva. O céu, antes azul e vasto, parecia mais cinza e próximo, como se refletisse o meu estado de espírito. Não havia mais a ansiedade dos que me esperavam, apenas a certeza dolorosa de que, ao chegar, não encontraria os braços abertos dos meus pais e do meu irmão caçula.

 

Cada marco na estrada, cada árvore, cada pedaço de paisagem parecia carregar uma lembrança. Cada memória, embora doce, trazia consigo uma pontada de saudade e um sentimento de não pertencimento. A terra que outrora fora minha casa agora parecia estranha e distante. Talvez porque a minha primeira casa, o lar onde fui gerada, não mais estivesse lá a me esperar.

 

A chegada foi marcada por uma alegria contida, tímida. A ausência de meus pais era um vazio que ecoava em cada canto. A casa, que antes vibrava com risos e conversas, agora estava quieta, quase inerte, de portas fechadas. Cada cômodo, cada móvel, cada fotografia na parede era um testemunho mudo de tempos passados, de uma felicidade que parecia agora inalcançável.

 

Sentei-me na varanda, olhando para o horizonte familiar, mas sentindo-me como uma estranha. A terra que sempre me acolheu com tanto amor agora me parecia distante, como se houvesse um véu invisível separando-me do que um dia foi meu lar. O sentimento de não pertencer era avassalador. Meus pais e meu “baixinho” (era assim que chamávamos o meu irmão caçula), que eram o elo mais forte com esse lugar, não estavam mais lá para me ancorar. Sim, estavam os outros irmãos, e isso foi muito bom, mas foi impossível não perceber e sentir a falta dos que não mais estavam lá fisicamente.

 

A viagem à terra natal tornou-se, assim, uma jornada de introspecção. O asfalto liso e moderno era um símbolo das mudanças inevitáveis do tempo, mas também do percurso interno que eu fazia. A falta que eu sentia não era apenas a ausência física de meus pais e meu irmão, mas a ausência de uma parte de mim mesma, de uma identidade que parecia ter ficado perdida no tempo.

 

Naquele momento, compreendi que a verdadeira viagem era dentro de mim. A estrada de asfalto podia ter mudado, mas o que importava eram as memórias que eu carregava e o amor que, mesmo na ausência, continuava a me guiar. A terra natal não era mais apenas um lugar físico onde por um bom tempo habitei, mas um espaço dentro do meu coração, onde meus pais e todas as lembranças vividas permaneciam vivas e presentes.  Sabiamente disse Adélia Prado “É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos.” É isso, essa viagem foi também uma pausa para sentir e escutar minhas memórias.

 

A viagem à minha cidade, portanto, foi uma lição sobre aceitação e adaptação, sobre o tempo e as memórias.  A estrada mudou, a cidade mudou, eu mudei, e o mundo ao meu redor também. Mas as memórias e o amor dos meus pais continuavam a ser a bússola que guiava meu caminho, mesmo quando a estrada parecia solitária e desconhecida. E assim, com o coração de certa forma pesado, mas cheio de gratidão, entendi que, apesar das mudanças, a essência do que realmente importa permanece sempre dentro de nós. O lugar onde morei agora mora em mim, eternizado.

 

Zenilda Ribeiro
Enviado por Zenilda Ribeiro em 28/06/2024
Alterado em 28/06/2024
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